Novos riscos de se aderir a uma dieta sem glúten surgem pela sua popularidade decorrente de mais de uma década de marketing e endossos de celebridades.
Sem dúvida nenhuma, esse movimento da imprensa em divulgar a dieta sem glúten como algo mais saudável, mesmo sem embasamento científico, ajudou os pacientes portadores da doença a terem maior disponibilidade de produtos sem glúten. Além disso, atuaram na conscientização dos restaurantes e bares com relação à oferta de refeições para esse grupo populacional.
Existe uma necessidade médica real para 1% da população portadora de doença celíaca.
“O interesse da população em geral em uma dieta sem glúten me ajudou tremendamente”, disse Maureen Leonard, MD, MMSc, diretora clínica do Centro de Pesquisa Celular e Tratamento no MassGeneral Hospital for Children em Boston. “Há muitas opções mais sem glúten nos supermercados. Existe também maior disponibilidade e conscientização nos restaurantes agora comparados com 10 anos atrás”.
Atualmente, 63% da população americana se compromete com essas dietas “alguma coisa free” acreditando que melhora a saúde mental ou física. Entretanto, a real necessidade médica ainda é questionável de acordo com David A. Johson, MD, professor de medicina e chefe de gastroenterologia da Eastern Virginia Medical School em Norfolk, Virgínia.
A medida que as pessoas aderiram à dieta sem glúten, os pesquisadores puderam avaliar seus efeitos e, ao contrário do que se imagina, surgiram vários riscos notáveis à saúde:
1 – Tirar o glúten pode aumentar as doenças cardiovasculares: os adeptos da dieta sem glúten alegam que ele produz inflamação e que a sua remoção da dieta poderia reduzir aterosclerose e morbidade cardíaca associada. Em 2017, um artigo publicado no BMJ testou essa teoria, investigaram mais de 100.000 participantes sem doença celíaca ao longo de 25 anos de seguimento. Perceberam que os que consumiam menor quantidade de glúten tiveram taxas de doenças coronárias superiores àqueles que ingeriam glúten. Isso pode ser devido à baixa ingestão de grãos integrais, diz Dr. Johnson.
2 – Pode causar deficiências nutricionais e aumento do câncer: uma revisão de 2016 sobre alimentos sem glúten descobriu que eles estavam seriamente deficientes de nutrientes essenciais. Isso pode causar a menor ingestão de fibras alimentares e levar a um aumento na taxa de câncer de cólon e doenças cardiovasculares. Além disso, são deficientes em folato, vitamina B12, vitamina D, cálcio, ferro, zinco e magnésio. Essas deficiências nutricionais já são bem estabelecidas na população com doença celíaca e são tomadas providências médicas de correção desse problema. Assim, a recomendação ainda é consumir grãos integrais.
3 – Pode causar obesidade e diabetes: quando retiramos o glúten, colocamos açúcar, calorias e gordura no lugar e diminuímos a ingestão de fibras. A dieta sem glúten, ao contrário do que pregam, não induz a perda de peso, não é uma dieta mais saudável, basta fazer uma análise dos rótulos de alimentos sem glúten, diz Dr Leonard. Essa dieta tem sido associada ao risco aumentado de obesidade e diabetes devido à carga glicêmica de muitos desses alimentos. Além disso, uma análise recente dos dados do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) descobriu que as dietas sem glúten não estavam significativamente associadas a uma redução no risco da síndrome metabólica.
4 – Aumentam a exposição ao arsênico e ao metal pesado: dietas sem glúten têm um potencial maior de expor as pessoas a metais pesados e outros contaminantes. Em um relatório publicado recentemente, os pesquisadores que analisavam o banco de dados NHANES compararam o sangue e a urina de participantes que estavam em dieta sem glúten (n = 115) contra aqueles que não eram (n = 11,239). Eles descobriram que aqueles que seguiam dietas sem glúten tinham níveis significativamente maiores de arsênio total, mercúrio, chumbo e cádmio, possivelmente possuindo um excesso de energia em alimentos como arroz e frutos do mar. É preciso avaliar a repercussão clínica desses dados, mas não deixam de ser alarmantes.
5 – Pode fazer você ficar mais pobre: uma pesquisa realizada em 2015 sobre alimentos sem glúten disponíveis nos supermercados do Reino Unido descobriu que eles eram quatro vezes mais caros do que os seus homólogos sem glúten. Um estudo austríaco, publicado no mesmo ano, informou que cereais e produtos de panificação sem glúten custam, em média, 200% a mais do que os produtos que contêm glúten. Estas discrepâncias de custos também estão em exibição nos Estados Unidos, de acordo com Consumer Reports, onde os alimentos sem glúten foram encontrados pelo menos duas vezes mais caros do que os produtos contendo glúten.
Um impacto secundário do boom nas dietas sem glúten é que pode-se identificar pacientes com doença celíaca não diagnosticada ou outras sensibilidades ao glúten, como FODMAPs (fermentáveis, oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos, polióis).
“Retirar o glúten, pode haver alguma resposta positiva em alguns pacientes que são sensíveis a outras coisas na dieta FODMAP, como aqueles com síndrome do intestino irritável”, disse o Dr. Johnson.
“Como médico, acho que isso é ótimo porque espero que ele leve a dietas mais focadas em frutas, vegetais, grãos integrais, fibras e alimentos não processados. Isso, por sua vez, pode ajudar a reduzir obesidade, doenças cardíacas e diabetes tipo 2. Infelizmente, não há campanha de marketing para alimentos como pepinos, batatas doces ou quinoa, para que o público ouça menos sobre uma dieta sem glúten e mais sobre a dieta mediterrânea”.
Fonte: Medscape